O rascunho da história de Brasília
Francisco Coelho
Barulho de água correndo, galo cantando no quintal, carros passando e o som dos talheres no prato. É assim que os visitantes da churrascaria Paranoá definem o som ambiente do local. Inaugurada há 57 anos, antes mesmo da capital ser construída, funciona até hoje com o mesmo espaço rústico de antes. Com o intuito de abrigar e “encher o bucho” dos visitantes e autoridades como JK, senhor Gomes Calixto dos Santos comprou o terreno e inaugurou a lanchonete, que, tempos depois, passou a se chamar Churrascaria Paranoá.
Seu Calixto, como era chamado, faleceu há alguns anos e o único filho que quis dar continuidade ao negócio foi Fábio Martins. “Somos oito irmãos, mas só eu quis manter a churrascaria”, conta ele, com uma voz que parece ser de locutor. Pergunto se já trabalhou em rádio, ele conta que sim, mas que não dá muito dinheiro. Bom de papo, me chama para conhecer o quintal. Nos fundos do terreno, há chiqueiro, um galinheiro e uma horta; do outro lado da churrascaria, um parquinho; Fábio me mostra rapidamente e me puxa para ver, a vista mais bela, na opinião dele, da barragem do Paranoá.
A obra no lago Paranoá começou antes mesmo de Brasília. Em 1957, a empresa norte-americana Reymond assinou o contrato com a recém-criada NOVACAP, presidida por Israel Pinheiro para construir a represa. Mas dois anos se passaram e as obras não andavam como queria Juscelino. Assim ele resolveu rescindir o contrato com a empresa. Uma nova licitação foi feita e um consórcio de seis empresas brasileiras assumiu a construção. Em 1959, a obra foi entregue.
O filho de seu Calixto guarda com muito cuidado as fotografias de todas as etapas da construção da barragem. Os visitantes e clientes do local podem observar os retratos que decoram as paredes do estabelecimento. Fábio lembra bem da historia de cada retrato, ou melhor, sabe aquilo que seu pai lhe contou. Uma imagem em especial chama a atenção: aquela em que aparece o então presidente Juscelino Kubitscheck sentado à mesa diante de um prato. A foto é o registro de uma das tantas visitas que o ex-presidente fez ao local.
Juscelino tinha muita pressa em construir a nova capital, em especial a barragem do lago, que seria a moldura da capital e também iria ajudar aumentando a umidade do seco planalto central. Muitas críticas eram feitas à construção da cidade. Deputados e senadores da então capital, a cidade do Rio de Janeiro, questionavam quase todos os dias os custos da obra. E muitos políticos e funcionários públicos torciam para que o projeto não desse certo, pois eram poucos que queriam se mudar da beira do mar para as margens de um lago no centro do Brasil.
Fábio conta que seu pai falava sempre dos operários da obra, que eles eram cheios de esperança de que um mundo novo começasse a surgir no meio do mato seco do cerrado. Quase todos de origem nordestina, cansados do trabalho duro e da falta de água de seus estados de origem, tinham Brasília como seu novo lar. Poucos foram os operários que voltaram para suas terras e os que restaram formaram a vila Piauí. Que mais tarde se transformou na cidade do Paranoá.
Esse é o rascunho de Brasília que persiste vivo até os dias atuais. Aquele pequeno lugar foi o inicio de tudo, que mais de cinquenta anos depois tem uma população aproximada de dois milhões e meio de habitantes. O sonho de JK tornou-se realidade graças ao empenho de pessoas como seu Calixto, que emprestou a força do seu trabalho para escrever as primeiras linhas da história do Distrito Federal.